Vídeo

Aug 28, 2006 17:27

Aí eu senti vontade de fazer um vídeo.
Não um vídeo qualquer, mas um desses bem legais, com historinha, atores bonitos e tudo.

Claro que por blogo fica meio difícil, já que nem sempre as pessoas encaram as músicas da mesma maneira.
Por isso que decidi.

Esse é um vídeo mudo u.u



Ela tem cabelo negro, bem negro, encaracolado emoldurando seu rosto. Agora, no final do dia, os cachos passaram por todo o processo de rotina e ficaram arrepiados, furiosos anéis que espetariam seus dedos.

Ela anda, corre, acorda no dia seguinte na mesma hora de uma vida, levanta, sai, atravessa a viela e vai pro ponto.
Demora, demora, passa e vai. O ônibus chacoalha, lotado, claro, no aperto de multidões, encontra os olhos dele.

Ele é alto, castanho claro, olhos cinzentos que seguram os dela. E há tédio, tanto tédio, que música nenhuma conseguiria passá-lo intenso como é.
A maior parte do refrão eles se olham, quase falando, quase murmurando, quase beijando, mas nada faria sentido, "quente hoje, né?", nada, nada, e o silêncio fecha o espaço do ridículo.

Alguma hora ela sai do ônibus e atravessa duas ruas, prédio, elevador, banheiro e sala. E o tédio aperta a garganta, o tédio puxa os cabelos, o tédio a mantém em forma enquanto ela sorri e cumprimenta a chefe e os colegas.

Então o tempo vai e focaliza os olhos dela, pérolas negras no fundo enquanto o dia vai passando e correndo e voando, computador, pessoas, fotos, propaganda, computador, pessoas, muita, muita água, computador, pessoas.
O último suspiro que ela dá é no final do refrão, a música pára dois segundos e recomeça. De um salto ela está no ônibus, lotado, lotado, entra gente e sai e entra mais e sai menos. Quando ela desce a faculdade parece dar risada, saco, o asfalto vira piso, o vento é ventilador e a aula já começou.

O relógio tique-taqueia, ela bate com o lápis na mesa no ritmo da bateria, a professora entra e sai, o professor faz chamada, está na hora do intervalo e ela corre para casa.
O ônibus vem vazio e demorado, a estrada pra casa é mais longa, o apartamento está vazio.
Ela deita.
A música pára.
E recomeça.

De repente ela abre os olhos e está na cama, atrasada, claro, de um salto está no ponto. O ônibus passa, pára, estranho, ela entra e o prédio se aproxima.
Do outro lado da avenida vem o ônibus pra faculdade. Ela pisca, os anéis negros ainda impecáveis, e troca de horário.
Cumprimenta professora, cumprimenta colegas, cumprimenta quadro negro na parede. Dentro da janela, bem ao fundo, reconhece a tela do computador, pisca, e começa a editar fotos e textos.

O tédio se ressente, ela percebe e prevê, pisca com força e pula para o ônibus vazio. Desce antes do ponto - qual ponto? - na falta de idéias, vai de novo pro trabalho.
No caminho passa um ônibus, ela faz sinal e deixa passar, pisca com força e senta na primeira cadeira. A professora vem logo atrás, o professor faz a chamada, ela desce na hora, ar-condicionado e intervalo.

Pausa na música.

No solo de guitarra ela gira e dá risada, pisca e está na cama, desliga o despertador. Toca o refrão, o ônibus vem vazio, ela sai de montaria, pérolas negras se fechando e cumprimenta a chefe e os clientes.
O tédio explode no ápice da música, o piso vira asfalto, ela pisca-pisca-pisca, desce na estrada para casa.

A música vai acalmando, é sinal de que vai terminar, ela atravessa a viela com os anéis arrepiados. Chega em casa e vira a chave, a noite é uma tarde, fotos e textos pelo chão.
O único arrependimento, a nota última da melodia, pinta no cenário tons de cinza. E ela fecha os olhos e vê os olhos dele, e procura em sua cabeça outra força pra esse dia.

E quando olha em volta, estão sozinhos na janela e outra música começa.
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