(no subject)
BETTER MAN
"Two roads diverged in the wood and I, I took the one less traveled by, and that has made all the difference."
Robert Frost
Ouvem-se baladas de guitarras, risos e ataques de choro, ao fundo do corredor. Jovens cantam, improvisam danças, falam com os companheiros do lado. As raparigas estão excessivamente maquilhadas, os rapazes usam demasiado gel no cabelo,... Reina a excentricidade, o brilho e o desejo da fama. E há esperança... e ambição... e sonhos desfeitos.
Bem-vindo à primeira fase da edição 2009/10 de "Ídolos", a versão portuguesa do programa de Simon Cowell.
Se já viram alguma das edições do programa sabem como funciona: milhares de jovens que acham que sabem cantar ( muitos deles erradamente) sujeitam-se voluntariamente a serem ouvidos por um júri com cara de poucos amigos e especialista em humilhação pública. Uma minoria passa à fase seguinte, (cerca de 1%, no caso desta edição) o resto volta para casa depois de 15 minutos de fama e humilhação na televisão nacional. Saem lavados de lágrimas, com a maquilhagem esborratada e os penteados desfeitos. Depois resta-lhe voltar à realidade, seguir uma profissão banal e rirem-se da vergonha que passaram, quando daqui a um anos forem respeitáveis pais de família, a trabalharem num qualquer escritório de fato e gravata.
Quantos estarã naquela sala de espera? Quanto irão ver o seu sonho desfeito hoje? Quanto ainda aguardam na fila, lá fora? Centenas, milhares, ... e todos com um desejo em comum, passarem à fase seguinte e tornarem o próximo ídolo de Portugal. Todos? Todos menos um.
Apresento-vos o nº 1263. É um rapaz de 21 anos, veste-me uma t-shirt azul, calças de ganga, cabelo despenteado, barba com 2 dias, toca guitarra num canto...chama-se Filipe e parece um miúdo normal, demasiado normal quando comparado com o circo de excentricidade que o rodeia. Acaba por se destacar por ser discreto, por mais ironico que isso seja. Imaginem que entram numa sala, onde está um conjunto de pessoas que vestem cores berrantes, tem penteados fora do comum, maquilhagem excessiva e fazem todo para chamar a atenção, e no meio deles há um rapaz de t-shirt azul e calças de ganga. Ironicamente é nele que reparamos primeiro, porque no meio de tanta gente a querer chamar a nossa atenção, quem se destaca são aqueles que não querem chamar a atenção.
Mas afinal porque razão está ali o nº1263, no meio de uma competição de ego e exibicionismo. O nº 1263 foi inscrito pelos amigos, não queria estar ali, mas já que ali está quer ouvir uma opinião. Está no último ano da universidade, sabe que quando acabar o curso entra no mundo do trabalho e não há volta atrás, não haverá mais tempo para a música. Precisa de alguém que lhe diga que, talvez deva dar uma hipótese à música, ou que lhe digam que não vale a pena tentar, para poder continuar em frente sabendo que não perdeu nada. E além disso, ele é um miúdo que toca rock, grunge, e o "Ídolos" é um programa pop. Ele não quer ser mais um produto da indústria pop..."Este programa não me diz nada" confessa antes de entrar na sala de castings.
Anda pelo corredor, sem saber se quer mesmo entrar, mas afinal esperou até agora...
Acaba por entrar...
"Está aqui, porquê?" pergunta Manuel Moura dos Santos, ou simplesmente MMS, uma espécie de Simon português, mas sem as t-shirts justas e o sotaque pomposo, mas com igual frontalidade.
"Para ouvir a vossa opinião." responde Filipe...pronto começou mal...
"O quê?", pergunta MMS, como se não tivesse ouvido bem.
"Para ouvir a vossa opinião." repete Filipe.
"Mas não queres passar em frente?" pergunta outro jurado, Pedro Boucherie.
Filipe responde que não.
"Se não está aqui para concorreres, saís!" diz MMS.
Filipe insiste, que ainda assim queria que o ouvissem. O júri diz que não. Ele volta a pedir que o ouçam. MMS pergunta mais uma vez, se ele está ali para concorrer ou não. Sem convicção, Filipe responde que sim, mas só para que o oiçam...
"Força!" diz MMS, dando-lhe por fim autorização para cantar.
E cantou...
"Waitin', watchin' the clock, it's four o'clock, it's got to stop
Tell him, take no more, she practices her speech
As he opens the door, she rolls over...
Pretends to sleep as he looks her over
She lies and says she's in love with him, can't find a better man..."
E seguiu-se um momento único na história do programa. Assim, que acabou recomeçaram os insultos. "Tu não és bom da cabeça", "Tu fechas bem a tampa?",... Mas ao contrário de todos os concorrentes que tinham insultado até hoje, o nº 1263 foi insultado, não por cantar mal, mas por cantar demasiado bem para não querer continuar.
Pela primeira vez na história do programa não era um concorrente que suplicava para continuar, depois de ouvir a recusa de júri, mas o júri que "suplicava" a um concorrente que continuasse.
Seguiram-se ao insultos, elogios, palavras de apelos, dos jurados mais brandos. Mas o que fez o nº 1263 tomar uma decisão foi uma expressão de MMS, que refere o seu pessimismo como uma nuvem sobre a sua cabeça. Filipe nunca revelou o simbolismo que tinha atribuido à nuvem, mas contou mais tarde que foi esse o momento em que ouve um clique.
"Queres continuar ou não?" pergunta MMS, mais uma vez. Antes que Filipe tenha tempo para responder, Boucherie adiantasse, "Claro que quer!", diz, enquanto agita o papel amarelo, de aprovação à fase seguinte, em frente do concorrente indeciso.
"...quero.", responde por fim, quebrando o silêncio com um sorriso tímido.
Ainda antes do rapaz sair da sala, ouve-se Boucherie a soltar uma das frase que marcaria o programa: "Se eu fosse giro, como o puto, e talentoso, onde é que eu já não estava?"
Click to viewO casting do nº 1263 vai para o ar no final do primeiro episódio, da nova temporada de "Ídolos". Alguns dias depois, já era um sucesso no YouTube. Dos vários videos do casting ai colocados, alguns atingem as 600 mil visualizações. Porquê? No meio de tantos miúdos desesperados por sucesso , a chorarem no meio de audições e a suplicarem para continuar, ver alguém que não procurava a fama e que não se rebaixava perante o júri era algo refrescante.
Mas extrapolando para a nossa série preferida, qual é o motivo para House, ser adorado por mais de 80 milhões no mundo? House é o médico que se recusa a ver os pacientes, é sarcástico, impaciente e rebelde. Dizem que é o protótipo do anti-herói, o "herói dos anti-heróis". No meio de tantos protagonistas politicamente correctas e quase perfeitos, House destaca-se. A sociedade parece cada vez mais farta dos protagonistas sem defeitos, que ajudavam todo e todos e no final da história eram aplaudidos. House também ajuda muitos pacientes, mas recusa aplausos. É isso que o distingue dos outros. House não faz o que faz para receber aplausos no fim. Da mesma maneira que não se importa se os outros comentam os seus erros, também não quer saber se os outros sabem das suas acções positivas. House faz o que faz sem procurar aprovação dos outros, sem pedir a adoração do público, e é por isso que é adorado. Essa ideia está presente no final do episódio 4 da 2ª temporada, "TB or not TB", quando Wilson percebe que o que irrita House sobre o seu paciente, um respeitável médico que adora ajudar os outros, é o facto de House achar que ele só o faz pela aprovação, pelos aplausos, para se sentir bem consigo próprio. Os verdadeiros héroi são desconhecidos, porque os verdadeiros heróis fazem o que fazem, sem procurarem reconhecimento.
Da mesma forma que os anti-heróis se transformaram nos heróis do público moderno, farto de protagonistas surrealmente perfeitos, aqueles que procuram a fama, estão a perder a aprovação do público. Farto de jovens desesperados por 15 minutos de fama, o público parece ter virado as suas atenções para os poucos que recusam a humilhação, e não querem ser reconhecidos pelo caminho mais fácil. As vedetas do futuro serão as anti-vedetas.
Por esta altura, devem estar a perguntar o que aconteceu ao nº 1263. O rapaz acabou mesmo por aparecer na fase seguinte. "Ainda bem que apareces-te..." solta Boucherie.
Filipe acabou por passar a 2ª fase...e a fase de trios... e a fase do piano. Restavam 27 concorrentes, que tinham de ser reduzidos a 15. O júri resolveu falar com eles, um a um. Filipe entra na sala e fica de pé à frente do júri. "Podes-te sentar" diz Roberta Medina, a jurada responsável pelo Rock in Rio, indicando o banco a frente dele. "Filipe, não te sentes, não é preciso" diz Boucherie "Só há lugar para 15...".
Filipe agita a cabeça em sinal de entedimento...percebe que acabou ali, mas afinal ele nem queria estar ali, ao princípio...ou queria?
"...tu és um dos 15." completa Boucherie.
Filipe passa a fase de galas, nas quais se manteve fiel ao seu estilo.
Filipe chega à final, com uma rapariga talentosa...que por acaso é sobrinha da mulher do MMS, mas isso agora é outra história...Mas antes de chegar à final, há um momento embaraçoso. O terceiro classificado, um miúdo com a mania de só cantar canções pop de mulheres e que chorava sempre que passava a fase seguinte, apela em directo, após ser o menos votado nessa noite, para que votem na sobrinha do MMS, na final. A rapariga embaraçada, pede desculpa a Filipe. "Desculpa, porquê?" responde ele. O problema de ser bom e esse mesmo...os ex-concorrentes que no inicio do programa falavam positivamente do talento e da personalidade de Filipe, vão-se apercebendo da sua popularidade e viram-se contra ele na recta final, apelando ao voto na outra concorrente, com a desculpa que desta vez devia ganhar uma mulher, só porque nas outras edições portuguesas ganharam sempre homens. Além disso, sentem que é injusto o tipo que nem queria estar lá no início continuar, enquanto que os outros concorrentes são eliminados um a um. Mas se a vitória fosse atribuida a quem mais deseja a fama, talvez o vencedor fosse alguém que nem sequer havia passado do primeiro casting...vencer é uma questão de merecimento...não de ambição.
Na final, Filipe cantou "Iris" dos The Goo Goo Dolls, de todas as canções que ele cantou, talvez esta seja a que eu gosto mais...
...e cantou Nirvana...e eis que o menino tímido de olhos azuis resolve explodir , numa actuação vista por mais de 100 mil pessoas na internet, em cerca de 2 semana, e com referência no site oficial da banda.
As linhas de votos ficam abertas, por mais uma semana. Adivinhem qual foi a música de finalissíma...
"Oh, Filipe, já pensaste se naquele tarde de Verão, te tivessemos mandado embora, sem te deixar cantar?" pergunta-lhe MMS numa das galas. "Já...". "Pois eu acho bem que penses nisso,,,"
Se assim fosse, o que se segue nunca teria acontecido...
Filipe regressa agora à universidade, para acabar o último semestre do curso, depois vai para Londres usufruir do prémio, uma bolsa de estudo, numa das melhores escolas de música do mundo.
Na primeira entrevista, após o fim do programa, a entrevistadora não resiste em perguntar: "E pensar que nem querias participar? Tu fechas bem a tampa?". Filipe sorri e fica sem saber o que responder, tal como da primeira vez em que MMS, lhe faz a pergunta. O tipo tímido e com medo da fama continua o mesmo...
can't find a better man...