e nada deverá dividir o homem senão o sol ou a noite

Jul 26, 2014 23:53

Título: e nada deverá dividir o homem senão o sol ou a noite
Autor: Verena (elisios)
Palavras: 2.368
Status: Completa
Gênero: Flangst
Classificação: +17
Sinopse:
A santa olhava para ele e ria

Nota do autor: Criei um livejournal e me veio uma vontade de escrever algo pra estreiar. Juro que era pra ser algo curto (e amo títulos grandes)



A mãe achava que ele estava rezando. É um menino tão devoto esse meu Matheus, ela dizia para as amigas que encontrava na igreja, mas prefere ficar tranquilo em casa. Ele não faz questão de desmenti-la. Se realmente fosse isso o que ele fazia ali, naquele quarto escuro e sem janelas - que servia apenas como abrigo à grande imagem de gesso da Nossa Senhora do Carmo, trazida da casa de sua avó há tantos anos - dona Inácia poderia dormir tranquila em sua crença de que um lugar já estava reservado para seu filho no paraíso.
      Matheus ficava encostado à porta, encarando a santa - e ela o encarava de volta, ele jura. Ela e o bebê que carregava no colo. Podia jurar que a imagem era quase algo vivo, algo que sabia, sabia sim, de tudo, e ria dele toda vez que era forçado a acordar sozinho em sua cama. Então ele apertava a pedra que levava escondida no bolso, apertava-a até seus dedos doerem e suas juntas se tornarem brancas, pronto para arremessá-la bem no meio da estátua e vê-la partir-se em pedaços, cair no chão. Ele já pode até ouvir o barulho - ele o ouve há dois anos. E depois, quando sua mãe subisse aos prantos, seria muito simples dizer que na correria ele deixou a porta aperta e o Biscoitos - gato malhado e arretado que ele tinha - pulou no pedestal e derrubou a santa.
      Mas algo sempre o parava, e - na iminência do lançamento - ele respirava fundo umaduastrês vezes, guardava de novo a pedra no bolso e saía dali, daquele lugar abafado que só caçoava dele, ainda com o gosto da derrota queimando em sua língua.
      Quem sabe se um dia ele quebrasse aquela imagem e quebrasse ela toda todinha e moesse cada pedaçinho de gesso e jogasse tudo na rua, para longe da sua vida, ele não precisaria mais acordar sozinho todas as manhãs porque Renan acordara primeiro e correra ao pé da santa, para chorar e pedir perdão pelos seus pecados.
      (e disse-lhe deus: não amarás)
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      Seu primo Renan chegou naquela casa há incertos dois anos e meio, quando conseguiu ingressar na faculdade de medicina da capital e pôde sair do interior onde nasceu para morar com seus únicos parentes que não viviam na cidadezinha de onde viera. Nem bem chegou onde titia Inácia morava depois de horas e horas viajando de ônibus, tirou um livro enorme da mochila que carregava nas costas, sentou-se no sofá azul e pôs-se logo a adiantar os estudos, como ele mesmo dissera. A mãe de Matheus mal cabia em si de tanto orgulho. Que grande doutor vai ser esse meu sobrinho, ela dizia animada. Seu filho, que já conhecia muito bem a obsessão por estudar que o primo tinha, só riu.
      Ele preferia desenhar. Prestou vestibular e entrou de primeira no curso de Artes Plásticas. Achou que seria fácil.
      (quebrou a cara)
      Mais tarde, quando seu pai chegou em casa com a barriga aparecendo por baixo da blusa de tanto beber cerveja e as palavras embolando-se na boca, Matheus preferiu deixar para a mãe a tarefa de cuidar dele e perguntou a Renan se já não era hora de arrumar suas coisas no quarto. Os dois subiram devagar enquanto Inácia deitava o marido inútil no sofá.
      No seu quarto, uma cômoda nova já esperava pelo primo, assim como um colchão que estava encostado na parede. O pai protestou veemente quando percebeu que eles ficariam no mesmo quarto, mas não era como se houvesse outro lugar na casa. Quando Renan abriu uma das malas e começou a passar suas roupas para as gavetas é que Matheus reparou em como eles eram diferentes. A ingenuidade do interior onde fora criado ainda permeava o jeito de falar e de se vestir de seu primo, que usava uma camisa social por baixo da calça jeans, cuidadosamente passada a ferro. O sapato marrom brilhava de tão bem engraxado, e o cabelo loiro escuro não tinha um fio fora do lugar graças ao uso do gel. Já Matheus, ao contrário, não possuía nenhum estilo ou algo especial; só usava uma blusa qualquer com uma calça jeans qualquer e pronto. Combinadas com seus olhos e cabelos castanhos, a única parte que se sobressaía era o horroroso colar de contas coloridas que ele teimava em usar sempre, presente do melhor amigo que foi atingido num tiroteio há anos e entrou em coma.
      Foi quando ele deixou de ir à igreja - mas quando o primo coloca uma pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida no meio da cômoda, no seu quarto, onde ficam as suas coisas, ele teve que se esforçar para ficar quieto. Ninguém podia saber.
      Depois levou Renan por um pequeno tour pela casa e deixou-o no banheiro para que ele se lavasse e foi fazer o mesmo em sua suíte. Só desceu para jantar depois, quando ouviu o pai roncando alto, e foi sentar-se com a mãe e o primo. Evitava ao máximo o saco de carne que lhe era aquele progenitor inútil - o homem que quase o matara ao saber que o filho era gay. Só servia para beber e se intrometer em sua vida sexual, Matheus descobriu.
      A mãe também não aceitava, e ele sabia. É só uma fase, ela assegurava o marido, para acalmar-lhe quando a situação começava a azedar na casa. Ao menos ela não lhe batia.
      Já era tarde quando os dois subiram outra vez para se deitarem, Matheus na cama e Renan no colchão ao seu lado. Depois de conversarem por um tempo, o loiro juntou as mãos e faz uma longa prece antes de dormir. O moreno só ficou olhando para o teto, esperando o sono chegar.
      Não foram precisos três meses para que Renan saísse do colchão e fosse deitar em sua cama.
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      Foi tudo relativamente simples, quando ele parou para pensar. Ele sempre queria provar coisas novas, e porque não seria assim com Renan? Era só fazer com que soasse como algo normal ali na capital, na universidade, e vamos Renan, só pra você ver como é que é e duas doses de conhaque também ajudaram.
      (porque aquele conhaque de seu pai, rapaz, aquele conhaque era tiro e queda)
      O medo de Renan, o rubor nas suas bochechas, o jeito como ele mordeu os lábios quando Matheus começou a mordiscar seu pescoço. Tudo isso já era esperado. Nós não devíamos, Matheus, ele falava e só ficou quieto de vez mesmo quando o primo levou seu sexo até a boca e começou a sugar a glande antes de descer sua língua por todo o comprimento do membro. Renan então só gemia, mordendo o travesseiro para evitar que os adultos no outro quarto ouvissem algo. Matheus continuava sugando-o enquanto uma mão desceu da coxa torneada do primo para massagear seus testículos.
      Terminou tudo rápido até demais. Devia ser virgem, ele pensou. Não duvidava da hipótese. Chegou ao ápice com as próprias mãos e jogou seu corpo em cima do dele quando o loiro fez menção de se levantar. Levando o indicador ainda sujo até os lábios, falou:
      - Relaxa Renan. Ninguém vai saber de nada. - deu uma risadinha (máscula, jura), rolou para o lado e encostou a cabeça no ombro do primo para dormir. Era só fazê-lo acreditar que o verdadeiro problema era amar um homem, não transar com um. Porque eles só iam fazer isso mesmo, só transar. Matheus olhava para o primo quando ele tirava a roupa e o desejava pela carne e só, mais nada.
      Só sexo pode então? Sim, seu bobão.
      (o que ele não esperava era que Renan fosse passar o próximo dia inteiro trancado no quarto da santa, rezando e rezando e rezando)
      Perdoe-me pai, ele podia escutar o loiro dizendo, pois eu pequei.
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      Foi até o jardim, pegou a maior pedra que achou no canteiro e subiu as escadas correndo em direção ao quarto de onde seu primo acabara de sair.
      A santa olhava para ele e ria.
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      E criou-se uma rotina. Eles transavam. Renan fugia e começava a orar. Ignorava Matheus por dois ou três dias. Transavam de novo. Rebobina a fita, por favor.
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      Às vezes ele imaginava se Renan não contaria para alguém, um dia. Mesmo que sem querer. Quando seu pai começava a falar as idiotices dele - que Matheus nem ouvia mais - as bochechas do loiro começavam a corar e ele enfiava a cara no livro pra ninguém vê-lo mais. Matheus achava tudo meio óbvio, mas seus pais eram um pouco lentos, ele admitia. Depois ria sozinho no quarto, quando Renan estava tomando banho, e entrava debaixo da ducha também mesmo com os protestos do outro. Só parava de rir quando encaixava seu corpo no dele.
      Seu pescoço era cheio de mordidas. Culpa do primo que não consegue nem segurar um gemido sozinho, ele dizia, mas gostava deles, de verdade. Era uma maneira de dizer à Renan que sim, eles estavam transando sim e nenhum raio tinha caído em cima deles coisa nenhuma, nenhum deus tinha vindo arrastá-lo até o inferno e nem viria, porque não existe nenhum deus mesmo.
      (e porque ele é de renan e renan é dele e ponto final
      não há espaço para deuses nessa história)
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      O primo já não fugia todo dia - depois de um ano, era de se esperar que ele melhorasse. Ainda tinha suas crises volta e meia, é claro, mas agora Matheus tinha uma oportunidade real de acordar e ficar passando os dedos naqueles fios loiros - que nunca mais viram a cor do gel, credo, ele jogou aquilo fora - enquanto Renan dormia que nem menino, com o peito bronzeado subindo e descendo, subindo e descendo, devagar como as folhas que caem nas árvores dos filmes que eles assistiam juntos no cinema.
      (e aí ele lembrava que achava que seria tudo só pelo sexo - e ria)
      Quando o outro acordava, eles tomavam café correndo, se arrumavam e saiam. Iam para longe - bem longe - para o outro lado da cidade, e ficavam só andando mesmo, olhando as lojas e parando aqui e ali para olhar alguma roupa. Matheus pegava a mão de Renan e segurava. Às vezes ele soltava, sério, falava Aqui não, Matheus, e olhava para os lados para ver se alguém os tinha os visto, algum conhecido - e o que seria dele então, se alguém soubesse, ele temia.
      (você não sabe o que faz, matheus, não sabe o que faz comigo)
      Às vezes ele apertava a mão do moreno de volta e segurava também.
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      Na última vez que Renan correra para o quarto da santa, a culpa foi de sua tia. Dona Inácia geralmente não comentava nada sobre esse aspecto desagradável do filho, como ela mesma dizia, mas o último sermão da igreja pareceu ter-lhe enegrecido de vez a opinião no assunto. Matheus comia o macarrão devagar, enrolando-o cuidadosamente no garfo, mastigando bem e ficava olhando para um ponto fixo na parede, ignorando a mãe abertamente enquanto ela continuava destilando veneno para o próprio filho.
      Renan já tinha aprendido a deixar o que o tio falava de lado, mas tudo o que vinha da boca de Inácia era para ele verdade absoluta e tinha que ser seguido. Matheus pôde ver o exato momento em que seu primo desviou os olhos e passou a fazer desenhos com os dedos na toalha de mesa. Suspirou - só fez a mãe falar mais alto.
      Quando os quatro se levantaram, ele já sabia para onde Renan iria.
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      No outro dia, subiu de novo até o quarto da santa.
      E olhou bem para ela. Reparou em cada detalhe: no manto branco e na túnica marrom, na coroa que levava na cabeça, na criança que carregava no colo, com a mão estendida. Nos escapulários e nas auréolas que os dois traziam. Dessa vez, ela não parecia sorrir. Talvez estivesse cansada de debochá-lo. Talvez existisse de verdade e fosse bondosa, como a mãe dizia - deveria estar com pena dele, pobre menino que se via maluco naquela casa com aquela gente que gostava mais de santo do que do filho.
      Foi a última vez que ele olhou para a santa. Aproveitou que não tem ninguém em casa e jogou a pedra. Mas jogou com força mesmo, com toda a força que tem, com toda a raiva. Jogou para acertar bem no rosto da imagem e fazê-la em mil pedacinhos a partir dali, pra vê-la se quebrar toda todinha e virar pó e mais nada.
      E conseguiu.
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      Os gritos da mãe chegam aos seus ouvidos como melodia. Não porque ele goste de ver a mãe sofrer - afinal, ao menos ela não lhe bate - mas por causa do motivo. Sim, o motivo é tão doce, tão ótimo. Quando ele joga a culpa em Biscoitos, tem que correr para salvar o bichano das garras da mulher. Ele quase o matou, pobre gatinho que nem foi o culpado. Inácia passa o dia todo olhando com raiva para o bicho, que não desce nenhuma vez do colo de Matheus - porque desceria, aliás, quando o dono está lhe fazendo um carinho para lá de maravilhoso na cabeça?
      Quando Renan descobre o que aconteceu, fica triste e até um pouco cabisbaixo. A santa fora da avó, afinal, e ele sentia muito a falta dela. Mas ele olha para os olhos do primo de um jeito que diz que ele sabe que a culpa não foi do gato. Ele tem certeza. Matheus lhe dá um sorrisinho torto.
      Renan não tem mais para onde fugir.
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      Naquela noite, enquanto ele cavalgava o primo, tudo parecia mais quente, mais vivo. Era o gosto da vitória, ele acreditava. O saber que ele nunca mais iria sentir aquele amargo na boca.
      (era renan se rendendo para ele de uma vez por todas)
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      Eles compram uma nova imagem, depois de um tempo. É bem menor e representa a Virgem Maria. Não tem nem de longe toda a glória que a outra tinha. O que é melhor, na opinião de Matheus. Essa não ri dele. Matheus até gosta dela - mas só um pouco. Tirou o colar contas coloridas do pescoço e colocou aos pés da Virgem.
      Vai que ajuda.
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(para de fugir, renan
o único santo de que você precisa sou eu)

status: completa, gênero: flangst, gênero: lime, classificação: 17+, autoria: verena, tipo: contos

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